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9 de ago. de 2014

Forma e conteúdo: uma defesa (im)parcial do ebook

Já há um tempo eu vinha querendo escrever um post sobre ebooks e livros de papel, mas pensava que ninguém ia me levar a sério porque eu publico em ebook e ia parecer uma apologia com fins de propaganda pessoal. Mas o fato é que publicar em ebook me levou a refletir mais sobre isso, e também me colocou em contato com a resistência de muitas pessoas ao ebook.

Pra começar, eu gostaria de dizer que acho uma bobagem esse tipo de dicotomia. Uma coisa não tem (nem vai) excluir a outra. Mas ainda assim me lançarei ao debate.

Quando o ebook entrou na minha vida, teve uma função muito específica. Eu fazia bicicleta ergométrica e gostava de ler enquanto pedalava, mas era pouco prático ter que virar as páginas, e pior ainda quando o livro era pesado. Eu estava lendo Próxima Estação: Paris, do Lorant Deutsch. Aí meu marido baixou pra mim o epub do original em francês (o que já foi um avanço também) e instalou o Aldiko no meu celular. Pedalei e li às mil maravilhas. Métronome foi o primeiro ebook que li.

Mas eu ainda tinha aquele ranço do passado. "Prefiro livro de papel, prefiro ter no que pegar, olhar a estante". Dizia isso com orgulho, citando Caetano: "os livros são objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor táctil". E então eu fui fazer um curso de um mês em Paris, e duas coisas lá me fizeram mudar de perspectiva em relação aos meus livros de papel. Eu via aquelas banquinhas infinitas nas calçadas vendendo livros a um euro, ou até menos (comprei um livro a cinquenta centavos) e pensava: por quanto este cara terá comprado este livro para vendê-lo tão barato? Comecei a achar que aqueles livros eram dados pra ele. Ou quase dados, se fosse um lote grande a um preço muito muito baixo. Quem faria isso com seus livros?

O episódio definitivo foi quando minha professora levou livros para nós. Livros dela. Disse que podíamos pegar o que quiséssemos e levar para ler. Acontece que o curso era de módulos semanais, então sempre tinha alguém se despedindo do curso a cada semana. E alguém perguntou: "mas, professora, como é que eu vou lhe devolver o livro se já estou indo embora?" Ao que ela respondeu: "pra que eu quero esse livro de volta? eu já li."

Fiquei passada. Tinha tanto sentido que fiquei envergonhada. O que afinal a gente quer de um livro? Não é o conteúdo? Não é até mesmo assim que a gente diz, de alguém culto, que lê bastante? A pessoa tem conteúdo.

O resultado foi que, quando cheguei em casa, não havia espaço para acomodar os livros que eu tinha comprado na viagem,e eu tomei uma decisão: começar a doar meus livros. Meus critérios são simples: livros que eu e meu marido já lemos e que não pretendemos reler (hoje em dia eu incluo um pensamento para o meu bebê, e guardo os livros que eu quero mostrar pra ele). Se o livro passa por essa peneira: RUA! Mandei fazer um carimbo com os dizeres "sou um livro viajante / leia-me e passe adiante", mas é claro que não tenho nenhum controle se estão sendo passados adiante ou se estão só aumentando a biblioteca acumuladora de alguém. Não importa. Já deixei livros em banco de shopping, banheiro de restaurante, sala de espera de médico, na escola de idiomas onde dou aula e na portaria do meu prédio. Não diminuiu muito a minha biblioteca, ainda. Sou uma pessoa que relê, e ainda tenho muitos livros que nunca li. Talvez um dia eu aumente o critério para "livros que eu comprei mas não vou ler mesmo, deixa de se iludir, inocente", e mande esses pra rua também.

E o ebook não ocupa espaço, né? Pelo menos, não físico. Comecei a ver as vantagens em filas. Na fila da lotérica, sempre quilométrica, eu sacava o celular e pronto: adeus tédio! Eu que sempre levei livro na bolsa, agora podia levar vários dentro do celular. E ler antes de dormir? É leve e não precisa de abajur! Eu sempre tinha problemas para ler antes de dormir, porque o abajur incomoda o marido e os livros mais pesados eram desconfortáveis para segurar deitada. Comecei a baixar epubs da Agatha Christie adoidado. Ganhei de uma amiga o epub do primeiro livro do Robert Galbraith, The Cuckoo's Calling. Com o melhor livro do ano de 2013 devorado em formato ebook, eu estava definitivamente cativada como leitora. Mas ainda faltava um passo. O maior. Faltava a escritora.

Como a maioria das pessoas que sonha publicar um livro, eu via o processo de seleção de originais como uma maratona de meritocracia. Só quem merecia estaria numa prateleira, teria seu nome numa lombada, assinaria autógrafos. Quando uma editora aceita o seu original, está te atribuindo valor. Conforme eu ia terminando de escrever meus livros, comecei a ler e pensar mais sobre mercado editorial, mergulhada na preguiça e na inaptidão completa de "me vender" para editoras. Você nunca leu um livro muito ruim? Publicado por uma editora, em papel, com lançamento e tarde de autógrafos? Não falo de um livro que não te agradou pessoalmente, mas um livro ruim mesmo. Mal construído, mal escrito, um livro que te faz pensar "mas quem diabos aprovou essa bosta nesta editora?" Eu já. E comecei a questionar os critérios dessa meritocracia e a me perguntar quem são afinal essas pessoas que escolhem quem merece ou não ser publicado. Critérios que excluem muitos autores novatos e publicam qualquer coisa que seja escrita por alguém famoso (mesmo que seja um livro infantil escrito por uma cantora de MPB ou atriz de novela, porque o nome vende). Isso sem falar em publicações pagas, onde não há seleção ou mérito envolvido, modalidade que tem crescido imenso nas editoras. Ou seja. Se fosse pra pagar (e eu tive esse tipo de proposta de uma editora física), por que eu não publicaria por conta própria, gratuitamente, em ebook?

Não foi uma decisão fácil. Desistir de algo sonhado num velho modelo é doloroso, rescende a fracasso. Mas não é. É coragem. Nos Estados Unidos, o mercado da autopublicação em ebooks é forte e alimenta o mercado editorial tradicional, que procura nos autores independentes bem-sucedidos os seus novos autores. mas nos Estados Unidos as pessoas leem muito ebook, e aqui no Brasil não.

Há aqui um orgulho de se prender ao passado. "No meu tempo era melhor", quantas vezes vc já ouviu isso? Ou mesmo disse? (já escrevi um post sobre isso) E é tão bobo, porque presume que você deve abandonar o livro de papel pelo ebook, ou que você está traindo os seus livros de papel ao ler ebooks. O que é ainda mais bobo. O livro de papel continua tendo inúmeras vantagens. Livros bonitos, ilustrados, livros de arte, livros de consulta, tudo isso é infinitamente melhor em papel. Você não vai comprar a obra completa de Degas em ebook, é claro, e nem mesmo a História da Arte do Gombrich eu compraria em ebook, a princípio (porque pesa pra cacete, então o ebook ainda teria essa vantagem). Mas eu comprei as obras completas de Edgar Allan Poe no original por menos de R$3, sem frete, sem ter que esperar semanas pela entrega. Menos de um minuto, e eu tinha tudo ali. Toda a história, todo o conteúdo. O papel? Que me interessa o papel nesse momento? A história um dia foi oral, as histórias um dia foram contadas, e nem por isso todos somos ferrenhos defensores e consumidores de audiobook, somos? (a mim, me fazem dormir). O que me faz pensar numa frase que vi um dia destes nas redes sociais e que dizia algo mais ou menos assim:

"Tudo o que foi inventado antes de vc fazer dez anos faz parte do mundo, é normal. Tudo o que foi inventado entre os dez e os trinta e cinco anos é inovador e apaixonante. Tudo o que foi inventado depois que vc tem trinta e cinco anos não é normal, é contra a ordem natural das coisas."

Essa carapuça não serve em todo mundo, e eu sempre uso meus pais como exemplo. Papai tem 67 anos, tem twitter (reconheçamos, ele é viciado mesmo nisso), blog (e ele bloga SEMPRE, muito mais do que eu), smartphone, tablet. Minha mãe ainda se dá melhor com email que com Facebook, mas está sempre no whatsapp, resolve toda a vida no internet banking e já leu alguns ebooks no tablet do papai. E por isso mesmo é que eu acho tão triste e limitador ver gente mais nova do que eles, gente mais nova do que eu, aferrando-se ao livro de papel como se nunca tivesse ouvido rádio e visto televisão, como se nunca tivesse falado em telefone fixo e depois no celular, como se nunca tivesse mandado cartas e depois emails.

"Ah, mas não é a mesma coisa!"

Claro que não é, nem é pra ser! Na carta, vc tem a letra da pessoa, mas o email chega mais rápido. A televisão tem imagem, cara, mas nem por isso o rádio morreu, e vc continua ouvindo no carro.

Dê uma chance ao ebook. Não perca oportunidades de ler histórias porque a forma é nova, quando o que deveria te atrair é o conteúdo.

p.s.: Sim. É claro que escrevi tudo isto com o objetivo de fazer vcs lerem meus livros. Eu tenho tanta história pra contar que vcs nem imaginam. Por enquanto são quatro (clique aqui pra ver uma pesquisa pelo meu nome no site da Amazon, com todos os títulos lançados), mas é só o começo. Deve sair mais ainda este ano.



5 comentários:

  1. Olá, adorei o post. Bem, além do carimbo (já que o brasileiro não tem essa "cultura"), não seria legal imprimir um textinho e colá-lo no livro com o motivo da necessidade de repassá-lo? Digo, muita gente (mesquinha) pode cair na tentação de guardá-los para si para aumentar sua biblioteca (de livros que irão mofar e encher de traça). De repente a citação do trecho que escreveu aqui (da história com sua professora) impresso no livro tocaria o coração (consciência) dessa pessoa para a necessidade de o livro ir além.... Parabéns pela iniciativa! Solange

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    1. Solange, às vezes eu coloco tb um bilhete. Mas quando a gente solta o livro no mundo, não tem como controlar, né?

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  2. Obs.: uma amiga de faculdade sempre colocava na capa (com papeis autocolantes) o recadinho "pode me ler, estou livre" ou "adote um livro itinerante" ou também "sou um livro itinerante e livre (ou viajante, como sugeriu), pode viajar comigo se quiser". Dentro ela colocava um recadinho com o conceito dessa itinerância...

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  3. Eu comprei os três, estou aguardando o próximo! Gostei bastante do seu jeito de escrever, tô te seguindo no face pra não perder nenhuma novidade! Mas vc tá de nenem novo né, fica meio difícil escrever... Eu sei pq eu tbm tô e mal consigo dormir.

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    1. aaaah que legal!! por que vc é anônimo? :( assine aí que agora fiquei curiosa! olha, se vc leu "Catarina", leia o "Jesse" tb, caso vc leia em inglês. logo logo vai vir mais coisa dessa série!

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tá com você!