Sherlock não é dado a adaptações, é duro e sem humor, o que, no século XIX cabia perfeitamente. Mas, por exemplo, num filme de hoje, pouca gente ia querer ver, daí fazem um Sherlock totalmente descaracterizado, engraçadinho-tipo-humor-americano, gostando de mulher, fraco. Sherlock não é fraco, não enfraqueça Sherlock ou eu lhe meto a mão na cara. Ele não tem que ser coerente como um ser humano, ele não é Poirot, não tem sentimentos, Sherlock Holmes é um super-homem.
A grande idéia da adaptação da BBC foi transpor Sherlock para o nosso século. Isso dá a liberdade necessária para acrescentar os toques que atrairão o público, como o humor, mas com a fineza de mantê-lo britânico e inteligente, rápido e não óbvio. Então vamos a "A Study in Pink".
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No nome eles já dão o recado: vamos beber na fonte. A primeira história de Sherlock Holmes chama-se "A Study in Scarlet", e há diversas referências durante o episódio, o suficiente pra acender o fogo sagrado dentro de mim. E, é claro, eu matei a charada antes do final.
"A ciência da dedução", nome do capítulo no qual Watson fica conhecendo o funcionamento da técnica sherlockiana, virou o nome do site. Aliás, amei o uso dos SMS e a parada de colocar as palavras na tela, bela sacada. A guerra no Afeganistão, onde Watson foi ferido, virou, bem, a guerra no Afeganistão. A história se repete or what? Pois é. Barts, o colega Stamford, o local do crime, a palavra Rache (embora com o sentido trocado), tudo bebe da fonte, mas se coloca de forma brilhantemente nova.
Mas a melhor parte foi a do celular! Todas as informações que Sherlock (é curioso chamá-lo assim, eu costumo usar "Holmes") deduz a partir da observação do celular de Watson, originalmente vêm de uma cena de "O Signo dos Quatro" (segunda história de Sherlock Holmes), mas no livro o objeto é um relógio de bolso. A mudança foi super bem-feita, até a história da dedução do alcoolismo pelos arranhões da entrada do carregador (no livro, era a entrada do pino de dar corda no relógio). Bom, no livro o irmão era irmão mesmo, ok?
E sem dúvida a escolha do elenco foi precisa. Nosso amigo Arthur Dent, ou melhor, Martin Freeman como Dr. John Watson é ótimo, mas Benedict Cumberbatch como Sherlock Holmes é fantástico. Tem a voz certa, a altura, o pescoço comprido, o rosto branquelo. E é bonito.
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Se quiser, aqui no velho QE tem mais posts sobre Sherlock Holmes: http://quartoescuro.blogdrive.com/categories/Sherlock%20Holmes-8.html .