Relutei muito em
escrever sobre Johnlock. Eu já deveria ter aprendido que eu nunca
devo lutar contra um tema que coça nas pontas dos meus dedos. Por
outro lado, é bom escrever sobre isso agora, quando parece que o
assunto pode sossegar.
Embora eu saiba que
não vai.
Pra começar do
começo, eu não sou Johnlocker. Eu não sou Sherlolly. Eu não tenho
ship. Eu acho que Sherlock Holmes não tem que ter envolvimento
romântico com ninguém. Eu acho impossível dissociar qualquer
adaptação de Sherlock Holmes do cânone original de Conan Doyle.
Acho que se fosse pra dissociar, que usassem outro nome, criassem
outro personagem. O cânone de Doyle é a bíblia da minha religião,
não gosto de bulir com isso.
Mas o nome é
"adaptação", né? Então é claro que mexem com algumas
coisas. E Sherlock da BBC já começa mudando o time setting. Mas faz
tudo com brilhantismo, etc. e tal, vcs já sabem e eu não preciso
explicar por que amo a série. Quero falar é de Johnlock.
Na adaptação pro
século 21, seria ridículo se ninguém fizesse ao menos uma piada
com os dois caras morando juntos, sendo que um deles nunca tem
namorada. É claro que tinha que ter esse tipo de insinuação, pois
na vida real era o que aconteceria. Na primeira temporada isso foi
feito de uma forma muito legal, que era leve e era engraçada e não
comprometia Sherlock como gay ou hétero. Ele não era porra nenhuma.
Logo no segundo episódio, John já estava atrás de namorada. Ou
seja, os elementos que tínhamos à nossa disposição informavam o
seguinte, se a gente tem que se prender a esses termos: um assexual,
um hétero. Era o que tínhamos.
Mas surgiu Johnlock.
E era natural que surgisse, no século 21, esse ship. Existe uma
necessidade de sexualizar tudo, neste tempo em que vivemos, e sexo
vende. E televisão é um produto. Nada vende mais que sexo. As
pessoas querem consumir sexo, muitas vezes elas querem mais consumir
do que fazer (acreditem, é verdade). Muitos acusam Gatiss e Moffat
de queerbaiting (atrair o público LGBT com pistas, brindes,
migalhinhas de um relacionamento gay que nunca se concretiza). Mas,
gente, tem "hetero baiting" ali também. O que vcs acham
que é Irene Adler? Ou mesmo a Janine? O baiting é generalizado,
porque os criadores do programa sabem que sexo vende. Então o que o
público faz com esse bainting? Se apropria. A apropriação da
produção cultural alheia, com a internet, é algo inevitável, e
daí surgiram as fanfics. Com hiatos tão longos como os de Sherlock,
tinha mais coisa acontecendo fora
do controle dos criadores da série do que sob o controle deles.
Mas
a série ainda é deles,
mesmo que tenha gente que acha que sabe mais sobre o que eles
inventaram do que eles próprios (por mais estranho que isso soe).
Eles são os criadores, nós somos o publico. A gente
até pode deixar de gostar de um programa, veja bem, isso é
perfeitamente possível. É a
nossa liberdade como público.
Pra dar um exemplo pessoal, House caiu muito no meu conceito quando
ele se envolveu com a Cuddy. Assim como Sheldon e Amy. Sim, eu não
gosto de sexualizar e romantizar tudo,
por mais estranho que isso possa parecer vindo de uma escritora de
romances. Eu acho que tem uns personagens que perdem muito quando
isso acontece, e eu perco meu interesse. Se um dia John e Sherlock se
tornassem um casal na série, eu provavelmente perderia interesse. É
por isso que hoje eu estou feliz. Porque os criadores da série
garantiram que isso não vai acontecer.
Como
vcs podem ter percebido, eu disse que perdi o interesse por House e
The Big Bang Theory quando seus personagens entraram em
relacionamentos.
Relacionamentos hétero.
Mesmo assim, é de praxe acusar de homofobia quem não shippa
Johnlock. Já tive que argumentar e justificar, até falando da minha
própria bissexualidade, o que é ridículo, convenhamos. Porque se
vc chega dizendo que não é Johnlocker vc tem que apresentar seus
argumentos e aí a pessoa vai ver se eles são válidos e, se não
forem, vc é homofóbico.
Sim,
é isso aí.
Bom,
então deixa eu pincelar uma realidade pra vcs.
Suponhamos
que eu seja hétero. Suponhamos que eu ame Sherlock BBC e eu seja das
que gostaria mesmo de ver Sherlock se engraçar com alguém. O que vc
acha que despertaria meu tesão? Sherlock com uma mulher ou Sherlock
com um homem?
BINGO.
Então,
de repente, pode ser que a coleguinha que shippa Sherlolly ou Adlock
seja apenas hétero, e
não homofóbica. Veja só!
Sim, eu sei, coitada dela, ser hétero. Ser bi é muito mais legal,
concordo. Mas tb parece que Johnlockers não acham bacana ser
assexual, então na minha opinião também estão fazendo juízo de
valor com orientação sexual. Ser gay é melhor que ser assexual?
Ser hétero é melhor que ser gay? Se eu não sou Johnlocker, eu sou
homofóbica? Se eu sou Johnlocker, eu odeio assexuais ou eu acho que
eles não existem?
NÃO,
PORRA. Isso tá indo longe demais! Tá indo longe demais porque,
muitas vezes, tá escondendo debaixo desse ativismo um machismo mal
disfarçado. Dois homens são amigos, muito amigos. São,
provavelmente,
as pessoas mais importantes da vida um do outro. Isso tem que ser
sexualizado porque só viado sente isso por um homem. Um John hétero
jamais gostaria tanto assim de um Sherlock, então tem que ser gay.
Mulheres podem ser muito amigas, mas se for homem, aí já são gays.
Um machismo que muitas vezes descamba pra misoginia contra a
personagem da Mary, e contra a atriz, Amanda Abbington. Pra piorar,
Amanda tem a audácia de ser casada com Martin Freeman na vida real.
Sim, porque é claro que o ship extrapola e tem muita gente por aí
que shippa Freebatch. Sim, os dois atores. Aquelas duas pessoas que
têm vida própria. Que existem. Que dormem, acordam, trabalham, têm
família. Tem fãs que pegam e escrevem fanfics deles dois juntos.
Tem gente que leva isso a sério,
além das fanfics, e acha que
é real. Eu só acho isso maluco. Mas quando essa maluquice se torna
ódio contra as esposas dos dois, aí eu não gosto mesmo. Esse é o
limite que eu não suporto.
Acontece
que tudo isso aí é o que acontece fora
do controle dos showrunners. Só que o show continua sendo criado por
aquelas pessoas, que trabalham com isso, que desenvolvem os
personagens, os enredos, tudo aquilo, e, em última instância, a
decisão é deles. E agora eles disseram, com todas as letras, que
Johnlock não é real. Que não está acontecendo, que não vai
acontecer, e que não é pra ninguém esperar por isso porque não é
essa a história que eles estão contando.
E
tem gente cobrando Mark Gatiss, homossexual assumido, por mais
representatividade.
Isso
não é só insano.
Isso.
É. Cruel.
No fundo eu penso
que, do jeito que Gatiss e Moffat conduziram as coisas, eu poderia
ter sido persuadida a ser Johnlocker. Poderia ter sido divertido. O
problema é que os Johnlockers estragaram o Johnlock.