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29 de dez. de 2012

Onírico 3 - parte 5/6


 Era a hora. Todos devem estar sentados e com os cintos de segurança. Masha respeitava pares preexistentes e famílias o quanto podia. Não se importava de não estar ao lado do tal primo, mas queria estar perto do pai. A mãe de Elisa ficaria no compartimento maior, com Luciana e Carlos.
- Vá, filha.
Havia um lugar vago na ponte, Masha o tinha separado para Elisa, que de repente não sabia mais se queria ficar com Peter ou com a família. Mas os assentos do compartimento maior estão todos ocupados. Não era dela escolha. Era de Masha.
Masha chamou Elisa, que deu um último abraço na mãe e na irmã. Não havia mais nenhum traço de dúvida em seus rostos.
- Obrigada, filha.
- Não sei se isto vai dar certo, mãe.
- Não importa. - disse Luciana - Você nós trouxe aqui. Obrigada.
Masha chama por Elisa mais uma vez, impaciente. Não havia mais muito tempo.
As percorrem os corredores estreitos até a ponte, e Elisa a observa com curiosidade. Está pálida, sua testa está suada, seus olhos estão muito abertos. Ao chegarem na entrada da ponte, elas param. Não passam as duas juntas pela pequena porta. Masha olhou para Elisa e sorriu um sorriso triunfante. Ela confiava.
- Pronta para repovoar o mundo?
Ela entrou na ponte e Elisa a seguiu. Peter fez um sinal para Elisa e ela sentou ao lado dele, atando o cinto de segurança. Ele pegou uma faixa de tecido que tinha no colo e passou-a cuidadosamente em volta do tórax dela, amarrando-a à cadeira.
- Imagino que deve ter um bom solavanco pela frente.
Todos estavam prontos para a onda. O submarino já estava no ponto mais fundo que alcançava no Mar de Barents. Foram horas de espera. O corpo de Elisa doía de estar por tanto tempo na mesma posição. Ela queria fechar os olhos, tentar dormir, não conseguia, nem ela nem ninguém. Olhares se encontravam esporadicamente. Até que ouviram um rugido abafado, ainda longe, um rugido de tempestade que se aproxima. E mesmo ainda tão longe, todos imediatamente perceberam que se tratava da maior tempestade de suas vidas. O rugido aumentava de volume e de intensidade, e o submarino começou a balançar de leve, como se fosse embalado numa rede. Elisa fechou os olhos, queria tanto não pensar na avó. E quanto mais queria não pensar nela, mais pensava. Se pegou rezando, e uma lágrima escorreu no seu rosto. Os olhos arderam de segurar o choro, ela não tinha vontade de chorar, não queria entrar em pânico.
O balanço aumentou e ela sentiu um tremor que subia do chão metálico até seus pés e fazia seus joelhos baterem um no outro. Ela abriu os olhos assustada e levantou os pés do chão. Sentiu-se solta demais.
- Pés no chão, Elisa. - Peter avisou.
Ela olhou pra ele, tentou lembrar daquela noite no restaurante, tentou lembrar se em algum momento ele lhe parecera um estranho. Não lhe parecia. Quis poder pegar na mão dele, mas não alcançaria. Ele olhava firmemente para ela, e olhando para o corpo dele na cadeira ela conseguia ver o quanto ela própria já estava chacoalhando. Seria só isso? Iam ficar assim, tremendo, balançando, chacoalhando?
Não.
O submarino foi de repente empurrado pra frente com toda força, alguns gritaram, Elisa sentiu um tranco muito forte e a cabeça foi jogada pra frente e pra trás, batendo no encosto da cadeira. Ficou zonza, caída pro lado, o submarino não devia mais estar na posição correta, estava de lado, de cabeça pra baixo? Tinha capotado?
"Não batemos em nada", ela pensava.
Ainda.
A segunda onda veio com muito mais força que a primeira e foram arrastados com velocidade, aos trancos, Elisa se sentia colar ao encosto da cadeira e tinha medo do momento em que aquilo ia parar, porque o solavanco seria tão forte que... Imaginou só então que alguém, algum dos selecionados por Masha, poderia morrer ali mesmo, dentro do submarino. Ou todos, é claro. Mas estranhamente ela só pensara antes ou na morte de todos ou na sobrevivência de todos. E se morresse um só? Quando aquele movimento acabasse abruptamente, se uma espinha se quebrasse?
Apertou os olhos e cerrou os dentes, tentando se concentrar em alguma imagem, alguma lembrança, sentia o estômago repuxar, os pés formigando, as mãos dormentes de tanto apertarem o braço do assento. Todo tipo de barulho se ouvia dentro do submarino, de gritos a coisas caindo. Tentou se concentrar na mãe e na irmã, a salvo. Um sobrinho, ou uma sobrinha. Resistiria uma gravidez àquela viagem insana?
Aquele arrastar não acabaria nunca? Que horas o mar ia pisar no freio? Ela estava há horas sendo arrastada pela onda? Minutos? Segundos? Onde estariam agora? Quantos quilômetros haviam percorrido? Fez esforço para abrir os olhos e virou o rosto na direção de Peter. Ele também tinha os dentes cerrados e segurava com força na cadeira. Não estava com o tórax amarrado na cadeira, como ela, e ela temeu por ele. Peter olhou pra ela e então veio o solavanco.
O submarino bateu, o solavanco veio com tudo, Elisa sentiu um baque forte, e a cabeça foi jogada pra frente mais uma vez e na volta pra trás, sentindo como se o cérebro fosse um pudim solto dentro de uma tigela de calda, Elisa foi perdendo a consciência, pendendo a cabeça pro lado esquerdo e amolecendo todo o corpo. Ainda chegou a ouvir alguém gritar o seu nome, e apagou.

***

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