Eu costumo escrever as resenhas dos livros da Julia Quinn por série (nem sei de onde tirei de fazer disso uma tradição), mas não vou aguentar desta vez...
Everything and the Moon é o primeiro livro da série das irmãs Lyndon, filhas de um vigário. Neste livro acompanhamos o romance entre a irmã mais velha, Victoria, e Robert, conde de Macclesfield (que eu já tinha visto em The Duke & I), filho do marquês de Castlefor (o título de Robert é de cortesia, até ele herdar o do pai). O início desse livro é muito promissor, pois Julia quebra alguns hábitos seus, e eu destaco dois: os personagens se apaixonam imediatamente, e o rapaz não tem aquele já famoso "medo de amar". Ele é, aliás, bem mais intenso e entregue do que a moça. No começo do livro eles são bem jovens, ela tem só 17 anos. Ele acho que tem 24. Inicia-se uma corte. Ele fica visitando, passeando com ela (com a companhia da irmã caçula Ellie, que "some" convenientemente mediante pagamento de Robert), eles se agarram bastante, até.
Só que o vigário está desconfiadíssimo, porque não acredita que um conde vá casar com a filha de um vigário. Portanto ele acha que Robert só quer arruinar Victoria. Como ele não pode simplesmente proibir a corte (imagina que ele vai se indispor com o conde!), ele ordena que Victoria rompa com Robert. Diante disso, Robert resolve então propor casamento a Victoria. Só que aí é o pai de Robert que se contrapõe com vigor, e ameaça deserdá-lo. Robert nem dá crédito, não acredita que o pai vá deserdar o único herdeiro. Então o marquês propõe, venenosa e espertamente, que ele diga a Victoria que será deserdado se casar com ela, e veja o que ela vai fazer, já que o marquês está certo de que a moça só quer o título e a fortuna.
Bom, estamos falando aqui de dois jovens bem jovens. Ambos discordam da ideia que seus pais fazem de seus seres amados, mas ficam meio balançados, né? Robert propõe a Victoria que fujam pra casar, pois seu pai vai deserdá-lo. Ela fica perturbadíssima. Aceita, mas sob a condição de que Robert se esforce pra ficar de bem com o pai depois do casamento, ou que pelo menos tente. Robert aceita, e eles marcam a fuga. Na noite marcada, ele espera, espera e ela não aparece. Entre preocupado e furioso, ele vai até a janela do quarto dela e ela está deitada, debaixo das cobertas. Furioso e de coração partido, acreditando que o pai estava certo o tempo todo, Robert vai embora pra Londres.
Acontece que Victoria estava amarrada à cama, sob as cobertas, pois seu pai pegou ela no flagra antes de fugir e a amarrou com lençóis. Só a soltou dias depois, e aí ela saiu correndo até o castelo do marquês para procurar por Robert. Foi informada de que ele foi embora, e o marquês ainda aproveita pra dizer pra ela que Robert só queria se aproveitar dela, e que desistiu porque já estava "dando muito trabalho".
Temos um plot, hein? Hum-hum, muito bom! Um mal entendido bem engendrado e dois corações partidos.
Sete anos se passam. Incapaz de perdoar o pai por tê-la amarrado (e menos ainda por ele estar certo sobre Robert!), Victoria sai de casa e vai trabalhar como governanta. Passa por várias casas de nobres, educando crianças, sendo humilhada esposas, assediada por maridos e odiando a própria vida. Como não é de surpreender, os dois acabam se encontrando (não é inverossímil, a nobreza conta com poucos membros, afinal) numa festa na casa dos patrões de Victoria, onde Robert é convidado de honra. O reencontro é tempestuoso. Resumindo, os dois ainda nutrem fortes sentimentos um pelo outro, o que inclui tesão e raiva, é claro. E muita mágoa.
É evidente que o homem tem a situação privilegiada nessa sociedade, ainda mais sendo ele um nobre e ela uma assalariada. Robert decide se vingar. O objetivo dele é arruinar Victoria diante de sua patroa, pra que ela seja mandada embora e se torne sua amante. Sórdido, né? Ele está magoado, coitado. Ele a ama, na verdade. Ok, ao longo do plano ele meio que vai tendo suas dúvidas. Ele acaba provocando uma situação em que eles são pegos aos beijos não pela patroa, mas por um lorde inescrupuloso e safado que, mais tarde, resolve ter a sua vez com Victoria, julgando-a "dessas". Resultado: ela é quase estuprada. Quase, porque Robert chega a tempo e enche o lorde de porrada. Eles se aproximam bastante nessa ocasião. Só que o lorde fala cobras e lagartos pra patroa, torcendo a verdade a seu favor, e Victoria por fim é mandada embora mesmo. Robert fica desesperado pois não sabe pra onde ela foi. Sente-se culpado, né? Ô, pobrezinho. Ah, e nesse ínterim ele foi fazer uma visitinha ao pai dele, e em seguida à irmã de Victoria, e, enfim, ele fica sabendo de toda a velha verdade de sete anos atrás. Agora ele está MESMO se sentindo culpado e determinado a encontrar Victoria, dizer que a ama e casar com ela.
Estamos ainda dispostas a perdoar esse camarada, que afinal tinha sido tão enganado quanto ela e achava que ela era uma interesseira e aproveitadora? Olha só, estamos, sim. Mas porém contudo entretanto...
Passam algumas semanas e eles, pá, se encontram por acaso em Londres. A situação é toda outra. Victoria está trabalhando numa loja de vestidos como costureira e vendedora, morando numa pensão pra moças num bairro pobre e violento, porém, gente, ela está FELIZ. Ela se sente independente, gosta do trabalho, gosta da sua patroa e das colegas. Aí chega o Robert. Pô, ok, ela ainda gosta dele, e aí ele conta tudo pra ele como foi que eles foram enganados pelos pais, e a pede em casamento. Ela diz que não. Ela está muito magoada, ele partiu o coração dela DUAS vezes, ela não tá confiando de se meter com esse cara de novo. Eu posso achar que ela não precisava ter recusado. Mas ela recusou, então foda-se o que eu acho. Só que o Robert, no caso, acha que foda-se o que ELA DECIDE, porque ela está errada, ele é que está certo, e ele vai provar isso usando os métodos mais brutos possíveis. Ele passa a segui-la pra todo canto, "oferecendo" caronas e uma proteção que ela NÃO quer. Ele fica indignado com a pocilga onde ela vive e DECIDE que não serve pra ela, que ela não pode ficar ali. O tempo todo Victoria o recusa. Sim, é um romance, dá pra notar que ela está fragilizada e confusa, que ela gosta dele, mas pela primeira vez em sete anos ela estava feliz, ela não quer abrir mão disso.
E aí ele a sequestra.
Fingindo uma "caronazinha inocente", ele a leva pra uma de suas propriedades e manda o cocheiro embora.
Ela protesta, até bastante, digamos assim, mas nunca com seriedade. O que eu quero dizer com "nunca com seriedade"? Ela protesta mas não deixa de dar corda pra ele. No fundo, com ou sem protestos, esse sequestro é tratado o tempo todo como algo romântico. Algo que o amor justifica. Agora me digam: no que isso é diferente do que o pai dela fez com ela sete anos atrás? Ele julgou o que era melhor pra ela, tomou uma decisão por ela, que ela recusou, e ele impôs a decisão dele à força. Robert agiu igualzinho ao pai dela. E o resultado? Adivinhem: ela o ama, ela vai pra cama com ele, ela casa com ele e dá filhos pra ele.
*suspiro*
Eu sei que Julia Quinn escreve livros históricos. Mas eu sei, e todo mundo sabe, que ela os escreve AGORA. No século 21. Eu sei que os papéis sociais e papéis de gênero eram outros, mas Julia se permite abrir exceções (vcs acham que a taxa de gente se casando por amor e trepando antes de casar era compatível com os livros dela? vcs acham que as pessoas tinham esse humor sarcástico em 1800 e bolinha? nem em 1970 tinham!). Ela abre exceções, e tudo bem! É ficção! Por isso mesmo é que ela não podia ter feito isso, ela não podia ter legitimizado esse homem abusador. Ela justificou o abuso com "amor". Ela permitiu que o cara se desse bem no final e fosse o herói da mocinha. Não interessa se isso era "verossímil" na época. Ela poderia perfeitamente não ter escolhido legitimizar isso, mas ela legitimizou.
Eu adoro os livros da Julia Quinn. Já tive algumas críticas, inclusive de enredo (brevemente farei um post sobre a série Agents of the Crown), e algumas desse gênero mesmo, mas eram pequenos deslizes. Desta vez foi demais. No fundo eu acho que o livro devia ter umas 100 páginas a menos, e ela enrolou uma boa metade. E nessa enrolação, ela se enrolou feio. Mas não tem desculpa. Victoria pode ter perdoado Robert, mas eu não vou perdoar Julia por essa.
Também fiquei bem chateada com o fato da Victória perdoar tão facilmente um sequestro e me pareceu tão inverosímel o fato dela esquecer facilmente da vida que amava e do ideal de liberdade que tinha conquistado. Sem contar que a forma como ele fica doente e ela é obrigada a cuidar dele é o desfecho mais mal desenvolvido que li, mesmo neste tipo de literatura despretensiosa, meio que me ofende a autora não ter se esforçado um pouco mais pra me convencer. Mas pra mim o que ficou complicado é que mesmo a autora mostrando pouco dela, eu já estava achando Ellie em mais interessante que Victória.
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