Era a hora. Todos devem estar sentados e com os cintos
de segurança. Masha respeitava pares preexistentes e famílias o
quanto podia. Não se importava de não estar ao lado do tal primo,
mas queria estar perto do pai. A mãe de Elisa ficaria no
compartimento maior, com Luciana e Carlos.
- Vá, filha.
Havia um lugar vago na ponte, Masha o tinha separado
para Elisa, que de repente não sabia mais se queria ficar com Peter
ou com a família. Mas os assentos do compartimento maior estão
todos ocupados. Não era dela escolha. Era de Masha.
Masha chamou Elisa, que deu um último abraço na mãe
e na irmã. Não havia mais nenhum traço de dúvida em seus rostos.
- Obrigada, filha.
- Não sei se isto vai dar certo, mãe.
- Não importa. - disse Luciana - Você nós trouxe
aqui. Obrigada.
Masha chama por Elisa mais uma vez, impaciente. Não
havia mais muito tempo.
As percorrem os corredores estreitos até a ponte, e
Elisa a observa com curiosidade. Está pálida, sua testa está
suada, seus olhos estão muito abertos. Ao chegarem na entrada da
ponte, elas param. Não passam as duas juntas pela pequena porta.
Masha olhou para Elisa e sorriu um sorriso triunfante. Ela confiava.
- Pronta para repovoar o mundo?
Ela entrou na ponte e Elisa a seguiu. Peter fez um
sinal para Elisa e ela sentou ao lado dele, atando o cinto de
segurança. Ele pegou uma faixa de tecido que tinha no colo e
passou-a cuidadosamente em volta do tórax dela, amarrando-a à
cadeira.
- Imagino que deve ter um bom solavanco pela frente.
Todos estavam prontos para a onda. O submarino já
estava no ponto mais fundo que alcançava no Mar de Barents. Foram
horas de espera. O corpo de Elisa doía de estar por tanto tempo na
mesma posição. Ela queria fechar os olhos, tentar dormir, não
conseguia, nem ela nem ninguém. Olhares se encontravam
esporadicamente. Até que ouviram um rugido abafado, ainda longe, um
rugido de tempestade que se aproxima. E mesmo ainda tão longe, todos
imediatamente perceberam que se tratava da maior tempestade de suas
vidas. O rugido aumentava de volume e de intensidade, e o submarino
começou a balançar de leve, como se fosse embalado numa rede. Elisa
fechou os olhos, queria tanto não pensar na avó. E quanto mais
queria não pensar nela, mais pensava. Se pegou rezando, e uma
lágrima escorreu no seu rosto. Os olhos arderam de segurar o choro,
ela não tinha vontade de chorar, não queria entrar em pânico.
O balanço aumentou e ela sentiu um tremor que subia do
chão metálico até seus pés e fazia seus joelhos baterem um no
outro. Ela abriu os olhos assustada e levantou os pés do chão.
Sentiu-se solta demais.
- Pés no chão, Elisa. - Peter avisou.
Ela olhou pra ele, tentou lembrar daquela noite no
restaurante, tentou lembrar se em algum momento ele lhe parecera um
estranho. Não lhe parecia. Quis poder pegar na mão dele, mas não
alcançaria. Ele olhava firmemente para ela, e olhando para o corpo
dele na cadeira ela conseguia ver o quanto ela própria já estava
chacoalhando. Seria só isso? Iam ficar assim, tremendo, balançando,
chacoalhando?
Não.
O submarino foi de repente empurrado pra frente com
toda força, alguns gritaram, Elisa sentiu um tranco muito forte e a
cabeça foi jogada pra frente e pra trás, batendo no encosto da
cadeira. Ficou zonza, caída pro lado, o submarino não devia mais
estar na posição correta, estava de lado, de cabeça pra baixo?
Tinha capotado?
"Não batemos em nada", ela pensava.
Ainda.
A segunda onda veio com muito mais força que a
primeira e foram arrastados com velocidade, aos trancos, Elisa se
sentia colar ao encosto da cadeira e tinha medo do momento em que
aquilo ia parar, porque o solavanco seria tão forte que... Imaginou
só então que alguém, algum dos selecionados por Masha, poderia
morrer ali mesmo, dentro do submarino. Ou todos, é claro. Mas
estranhamente ela só pensara antes ou na morte de todos ou na
sobrevivência de todos. E se morresse um só? Quando aquele
movimento acabasse abruptamente, se uma espinha se quebrasse?
Apertou os olhos e cerrou os dentes, tentando se
concentrar em alguma imagem, alguma lembrança, sentia o estômago
repuxar, os pés formigando, as mãos dormentes de tanto apertarem o
braço do assento. Todo tipo de barulho se ouvia dentro do submarino,
de gritos a coisas caindo. Tentou se concentrar na mãe e na irmã, a
salvo. Um sobrinho, ou uma sobrinha. Resistiria uma gravidez àquela
viagem insana?
Aquele arrastar não acabaria nunca? Que horas o mar ia
pisar no freio? Ela estava há horas sendo arrastada pela onda?
Minutos? Segundos? Onde estariam agora? Quantos quilômetros haviam
percorrido? Fez esforço para abrir os olhos e virou o rosto na
direção de Peter. Ele também tinha os dentes cerrados e segurava
com força na cadeira. Não estava com o tórax amarrado na cadeira,
como ela, e ela temeu por ele. Peter olhou pra ela e então veio o
solavanco.
O submarino bateu, o solavanco veio com tudo, Elisa
sentiu um baque forte, e a cabeça foi jogada pra frente mais uma vez
e na volta pra trás, sentindo como se o cérebro fosse um pudim
solto dentro de uma tigela de calda, Elisa foi perdendo a
consciência, pendendo a cabeça pro lado esquerdo e amolecendo todo
o corpo. Ainda chegou a ouvir alguém gritar o seu nome, e apagou.
***
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